sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Abstinência digital

Abstinência digital

Fico trêmula, ansiosa, mordo os lábios, arranco os pedaços dos dedos com as unhas, entro em total desespero. Este é o cenário da minha crise de abstinência por falta de conexão! É muito difícil ficar sem comunicação. Na minha casa eu tenho sempre uma saída: internet banda larga, celular 3G, wireless, e para os casos de alto grau de estresse, um modem me salva, ou não… Dependendo da área onde eu estiver. Lembro de uma crisis na paradisíaca praia de Serrambi. Fomos eu, mamãe, os cães e lógico, meu laptop passar um final de semana, que imaginei seria “o paraíso”.

A primeira coisa que fiz, antes mesmo de tirar as sacolas da mala do carro foi pegar os equipamentos para me conectar ao mundo, às pessoas, a vida. Sentei no terraço, ávida e ao mesmo tempo feliz! Um final de semana inteiro de silêncio e ao mesmo tempo perto de todos? Era tudo que eu queria! Não deixar de ler os jornais, as últimas notícias, os blogs de política, enfim, todas as minhas manias digitais estariam ao meu dispor, numa simples tarde dentro de uma rede cheia de travesseiros! E nas horas de descanso, Ruy Castro me faria companhia com seu Anjo Pornográfico e a trajetória da família Rodrigues! Bom demais, não podia crer naquela cena!

Tudo ligado? Ótimo. Mamãe, sentada pertinho, também estava à beira de um surto, pois muito ocupada, estava à espera de um email que lhe daria o número do PTA para uma viagem ao Rio de Janeiro, para trabalho no lindo prédio da Fiocruz. Aquele, na Av. Brasil, que a gente nem lembra que está numa das áreas mais perigosas da cidade maravilhosa. Sim, somos duas dependentes da globalização.

Pronto. Liga o modem e vamos começar a trabalhar/viver/divertir! …como assim? Não entrou na rede? Algo deve estar acontecendo. “Daqui a pouco entra, minha filha”, disse a Doutora Yara Gomes, com seu lado Pollyana aguçadíssimo!

Bom, enquanto tudo se organizava fomos tirar as malas do carro, ver como estava a casa, fazer lista de compras, as coisas de praxe de uma casa de praia. Eu, com um olho nas coisas da casa e outro no modem. De vez em quando, um ENTER pra ver se já estava tudo ok. Nada!

Eu comecei a ficar estressada enquanto mamãe recebia uma vizinha/amiga de trabalho, que passou lá na frente e nos avistou. Entre os ‘ois, tudo bem?’ e os ‘como estão aquelas cepas, sua pesquisa, etc.’, eu já estava mordendo a mesa, em desespero, sem entender como e por que, em pleno século XXI, numa das praias mais elitizadas no estado, num final de semana preparado para relaxar, estávamos deparadas com aquela dantesca cena do mais profundo silêncio: off-line!

Deu erro! Cancela, reinicia, tenta outra vez, cancela, reinicia, tenta outra vez, e assim, num misto de desconforto, revolta e uma latente vontade de voltar pra casa imediatamente, fiquei alguns eternos momentos de muito, mas muito desespero e angústia. A cada minuto que passava, um palavrão se libertava da minha boca raivosa.

De repente, a vizinha/amiga de trabalho vira-se bem tranqüila e diz: “Lá na vila tem uma lan house”! Ninguém pode mensurar a sensação que senti. Doutora Yara e eu nos entreolhamos e corremos para o Oásis, o Nirvana, o paraíso na Terra!

Enfim, a lan house! Primeiro preciso explicar que nossa família tem uma característica, um perfil um tanto quanto peculiar: somos pessoas elétricas, que querem tudo para ontem e não podem perder um segundo do ar que se respira. Só que estávamos em Serrambi…uma praia linda do litoral pernambucano que se resume a uma rua principal, uma padaria, uma sorveteria, um restaurante, uma pizzaria e um posto de gasolina. O detalhe? Tudo isso só abre na alta estação, o que não era o caso. Tudo bem. Vamos ter paciência com a velocidade dos nativos. “Eles é que sabem viver”, diz Yara num dos seus ataques Pollyânicos, mais uma vez.

Ao entrar na lan house, descobrimos que faltavam alguns minutos para abrir. Ok, bobagem, o rapaz já estava lá dentro, vassoura em punho, fazendo a higiene do local. Do lado de cá da porta de vidro, duas enlouquecidas mulheres à beira de um ataque de nervos. Já sem paciência alguma, bati na porta educadamente. O rapaz se virou num take-slow-motion, na maior tranqüilidade, e nem sequer veio até a porta. Fez um gesto explicando – de longe - que iria abrir em alguns minutos.

Foi quando assisti - de camarote - o lado Pollyana sucumbir. A respeitada especialista em Doença de Chagas no mundo científico pediu para o rapaz abrir a porta. Ele veio, na sua velocidade, e ela disse: ”por favor, menino, varra depois! Temos muita pressa e não podemos esperar”! O nativo fez um ar de tudo bem misturado com fazer-o-quê e abriu a porta para as duas loucas. Nós, literalmente, ligamos toda a rede de computadores, que depois soubemos que recebem sinal via rádio! Os satélites ainda não descobriram Serrambi. Por isso a falha do modem!

Acho que nem preciso dizer que passamos o final de semana na lan house…preciso? Mas como de tudo se tira uma lição, agora já aprendi. Antes de deduzir que irei ao paraíso, devo procurar saber se o lugar para onde vou não é, na verdade, o inferno! (C.M.)

2 Comentários até agora »

Socorro Miranda disse em 07/06/2009 às 20:48

Esse texto, além de muito bem escrito, está muito bem humorado. E é interessante que a maioria das pessoas devem sofrer desse surto de abstinência! Eu, por exemplo, estou totalmente dependente do mundo virtual e, pasmem, não mais abro mão do laptop - outro não me interessa. A dependência é tão grande que chega ao ponto de não haver mais espaços para coisas que antes eram importantes, como livros, revistas, jornais etc. O mundo virtual não nos deixa sentir falta do mundo real; de certa forma ele nos protege: se ficarmos apenas no virtual, correremos pouco ou nenhum risco.

Rosa de La Vega disse em 09/06/2009 às 13:59

Cassia, adorei este texto.

Enquanto li, me senti ao seu lado, vivendo todos os momentos narrados.

Esta crise abstênica, é ótima.

Ainda não me sinto assim.

Beijão



(Cassia Miranda)

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