Pai, essa é pra você. Hoje - 14 de julho - é a primeira das comemorações da formatura do Lucas (junto com a família). Como você sabe, seus dois netos seguiram seus passos e eu, sua filha – que sempre te amei e amo – estou muito feliz com isso. Confesso que estaria melhor se tivesse passado na minha segunda opção, que à época, foi Direito, como eles e como você. Mas quem mandou ter filhas inteligentes e que passaram na primeira opção e na Universidade mais disputada da cidade? Estou eu aqui, jornalista sem diploma reconhecido e Flavia, lá na Índia, sua médica predileta, fazendo sucesso!

Sei que vou sentir muito a sua falta física em todos os eventos que for com o Lucas. O seu anel de formatura é o mesmo anel que colocarei no dedo dele; e foi o mesmo que Flavia colocou no dedo do Bruno. É a sua presença simbólica para alguns, concreta para nós.

Sei o quanto está orgulhoso dos seus netos. Bruno tirou dez com louvor na OAB e agora falta o Lucas se livrar de mais essa etapa também. A Renata, no Canadá, está na universidade e já é uma mulher do mundo. Quem faz faculdade de Economia e Ciências Políticas, certamente, já tinha no seu inconsciente: jamais voltar para morar nesta província, o que sei que lhe deixa muito feliz.

Lembra que a gente tinha aquelas conversas sobre o subdesenvolvimento do brasileiro? Continua tudo igual. Sei que você está vendo e se divertindo bastante com os rumos que o nosso país tomou. Principalmente por ter sido um dos coadjuvantes da revolução de 1964, politizado, inteligente, aluno brilhante e cidadão/militar preso e torturado pelas mãos imundas do poder e que lhe deixou tantas cicatrizes na alma. Eu entendia totalmente você. Eu sabia ler você, pai. Mas isso é outro tema, para outra conversa nossa.

O que importa é que hoje seu segundo neto, meu primeiro e único filho, fecha mais um ciclo na sua vida. E nós daríamos tudo para tê-lo aqui, conosco. Sei que está orgulhoso e imagino até seu rosto de realização e dever cumprido. O Lucas é você aos 23 anos. Ele fala, gesticula, usa termos e tem um vocabulário de uma pessoa que nasceu em 1930. Ele é você no temperamento, no sarcasmo inteligente e na inteligência exacerbada. E melhor! Lucas é muito mais meu pai, do que eu sou sua mãe.

Sinto saudade da sua voz lendo os artigos dos jornais pra nós, aos domingos. E depois aquela sessão de críticas e debates contra a falta de noção dos tupiniquins. Sim, continuamos uma sub raça porque assim é mais conveniente. A educação da população ainda é uma utopia e a desigualdade social, pela qual você tanto lutou pela mudança, continua crescente. Nada mudou. Continuamos no Brasil que cansou sua alma e maculou seus ideais. Hoje entendo o seu cansaço. E todos os dias, cito uma de suas frases que fizeram história. Afinal, “contra a burrice organizada não há combate”, não é?

Mas algumas coisas mudaram sim. Estamos mais velhos, mamãe é uma referência respeitadíssima no meio científico (isso você testemunhou e deu muita força), e continua trabalhando, ativa, feliz, realizada com suas pesquisas. E este ano é o centenário de Carlos Chagas. Você deve estar vendo o quanto ela anda ocupada e feliz. É uma guerreira e vencedora, nossa “Pollyana” (brincadeira de família = Dra. Yara = vê a vida sempre pelo melhor lado). Ela acaba de chegar do Rio de Janeiro, onde esteve para as comemorações. Voltou muito feliz, obviamente! E realizada.

As coisas estão se organizando e, cada dia que passa, eu chego mais ainda à conclusão de que aqui não é mesmo o melhor lugar pra se viver. Meu humor ácido e sem paciência está começando a mostrar o cansaço e o peso dos anos. Então imagine como tem sido difícil - para sua filha mau humorada – interagir. Que pena que você não acompanhou a evolução da internet, pai. É a nossa cara, foi feita pra nós! Não precisamos mais “fazer sala”! Isso acabou desde a criação dos sites de relacionamento. Adoro e sei que iria adorar!

Bom, estarei lá, junto do Lucas. E tenho certeza, mais do que absoluta, que você estará conosco. E me ajudará a segurar as lágrimas que tempo nenhum cura, e a colocar seu anel no dedo do meu filho.