sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Eu conheci um Rei

Eu conheci um Rei

Um dia eu vi um rei chegar…

Dono do castelo e cercado de muitas pessoas, o rei estava sempre só. Era ele, com ele, sozinho. O rei não conseguia amar e tinha todas as mulheres do reino, mas nenhuma era dele de verdade. O rei era triste.

Mas o rei também era lindo. Seus olhos tinham um brilho diferente, eram verdes, claros como a água do mar. E a sua tristeza, tão profunda quanto o oceano. Ele tinha um reino, mas era o mais solitário dos seres humanos.

E ninguém conseguia entender o que se passava dentro do seu coração. Por que a sua vida era tão vazia de emoções verdadeiras? Todos se perguntavam naquele reino.

Mas a vendedora de flores sabia. O rei queria tudo. E por querer tudo, não se emocionava com nada. Não conseguia enxergar a intensidade do sentimento das pessoas e desconfiava de todas elas. O rei não se emocionava com nada, nem com a poesia das flores, nem com o perfume dos poemas!

O rei era muito exigente. Sempre preocupado com a administração do seu reino, esquecia de amar. Pobre senhor do castelo! Sempre tão senhor da razão, era seu escravo. Não conhecia o gosto da lágrima e a importância dos sorrisos. Seu reino era sua prioridade.

E esquecia que por trás dos muros do castelo havia pessoas. Apenas pessoas. Que sentiam muitos outros sentimentos e não eram escravos da vida. Pessoas que se emocionavam com a beleza da lua, com o vento no rosto, com um beijo de amor.

O rei estava sempre muito ocupado com os afazeres do reino. Ele esquecia de sentir sua vida, de viver as emoções mais profundas. O rei vivia na superfície das coisas. Não conseguia mergulhar. Simplesmente, não conseguia. Mas achava que administrava tudo tão bem, que podia enganar as pessoas driblando seus sentimentos com palavras de ordem e trabalho. Com rápidas aparições e sorrisos ensaiados para uma corte cada vez mais cansada de tentar conquistar os olhares daquele rei tão severo com ele mesmo. Aos seus olhos todos seriam sempre seus súditos obedientes, infelizes.

O rei não entendia que quando não se tem nada, não se perde absolutamente nada. Mas quando se tem o mínimo de emoção, perder dói profundamente.

Um dia, o rei resolveu dar uma volta além dos muros do seu castelo. E ele conheceu a vendedora de flores. Ela lhe mostrou uma variedade imensa de flores e perfumes, mas ele não demonstrou sentimento algum. Foi apenas educado, como era de costume. Mas alguma coisa mudou dentro do rei depois daquele dia. Ficou dentro dele uma semente do amor que aquela moça passou pra ele pelo olhar.

O rei não conseguia esquecer a vendedora de flores. Mas ele não sentia amor. Era só curiosidade. Era uma moça alegre, divertida e exalava uma juventude feliz pelos poros. Que sensação estranha ele sentiu depois daquele encontro!

Então o rei passou a sair mais dos seus domínios e através da vendedora de flores, conheceu um outro universo. Um universo que tinha profundas tristezas, mas que também conhecia o amor, a poesia, a música e a alegria. A moça deixava as emoções fluírem naturalmente, sem se reprimir.

Era um mundo novo para o rei. E ele achou tudo muito interessante. A moça era muito sedutora e o rei também. Eles começaram a se encontrar e o rei começou a ficar mais bonito ainda! Ele começou a dar gargalhada, a se emocionar com a poesia e ter prazer nas coisas mais simples da vida. O rei aprendeu a ler poemas. Aprendeu a dividir as suas emoções.

Mas não se muda a essência das pessoas e, no fundo, o rei ainda era um homem racional, trabalhador, ávido por chegar a um objetivo que nem ele sabia qual era afinal. Ele precisava trabalhar e era só nisso que pensava dia e noite. Muitas vezes ele marcava de encontrar a vendedora de flores, mas o trabalho falava mais alto e ele não ia. Enquanto isso, a vendedora, em seu universo mortal, largava tudo, deixava as flores, a poesia, os sorrisos. Ela queria estar com o rei. E ela não conseguia entender tanta racionalidade depois de ter lhe mostrado o lado doce da vida. Porque o rei era assim tão frio? O que ela poderia fazer pra derreter aquele coração gelado? Não era possível que não houvesse sequer uma coisa na vida da florista que pudesse emocionar o rei!

Ele, no alto da sua inteligência e poder, não conhecia a felicidade. Ele procurava atingir metas, fechar negócios, ganhar muito dinheiro e administrar bem seu castelo. No mundo da florista não era assim! Felicidade não era uma meta, mas um estado de espírito. Não se podia amar como quem fecha um negócio ou ganha uma concorrência! Amar não era ter sucesso nos empreendimentos. Estava tudo errado no coração do rei! O rei era infeliz.

A moça das flores estava começando a conhecer uma tristeza diferente. Ela sentia um vazio. Um vazio que corroia seu coração. O céu acinzentou, o mar ficou revolto, as músicas não tinham sentido, a poesia perdia seu encanto, as flores murchavam e não havia mais sorrisos.

O rei sempre ocupado, não podia mais vê-la como antes. Havia uma distância entre eles e como todo amor distante, começava a perder a cor. A florista estava triste.

Ela sempre soube do abismo que existia entre seus mundos. Mesmo assim, sentia a falta daquele rei, que um dia teve mais tempo, olhou pra ela, conheceu o perfume das flores, aprendeu a ler poesias, gostou das músicas que ela ouvia. O que havia acontecido ao rei, se a graça desse amor era exatamente a antítese desses mundos? O quê se passava na cabeça daquele homem tão confuso, tão auto-suficiente? A florista não conseguia entender e sozinha, aguava as flores com suas lágrimas silenciosas. E cada uma das suas lágrimas era uma gota de amor.

E naquele dia nublado, após contemplar o entardecer, a florista recolheu as flores, os sorrisos, a poesia, as belas músicas e voltou pra sua casa. Mas ela não conseguia esquecer aquele rei que dominava tudo e trabalhava tanto. A moça das flores sentia-se solitária. O rei estava muito distante.

Muitos dias se passaram. O rei não saía dos seus domínios. Sempre preocupado com as estratégias de guerra para defender seu legado, ele começou a se distanciar da vida que havia fora do castelo. E, consequentemente, a se distanciar da moça das flores.

Ela por sua vez, tinha no coração, um deserto. Tudo de bom que ela havia vivido com aquele homem quase inatingível, estava se apagando, como uma foto antiga. As rosas vermelhas, os lírios, as margaridas, nada, nem o perfume de todos os jardins do mundo faziam-na feliz. Estava sempre com o olhar longe, um olhar que procurava um motivo para existir.

Ah, como ela tinha sido feliz com ele! O mar, a brisa, a chuva, tudo tinha cheiro de flor quando ela era feliz com o rei.

De repente ela não sorria, não se alegrava com as músicas nem com as poesias. A moça das flores trabalhava triste. E de tanto pensar no rei, acabou começando a não pensar em nada.

O fardo que a vida nos dá quase sempre é tão pesado que ela vai passando e só a vemos pela janela. Como uma paisagem bonita e inalcançável. E a florista entendeu isso depois de conhecer o rei. Para sua tristeza, ele estava se transformando numa fotografia linda, de um lugar maravilhoso, aonde ela jamais iria.

A verdade é que sua vida havia perdido o sentido, suas emoções limitavam-se à tristeza e a melancolia. Saudade de um tempo tão perto e tão longe, como se sua vida fosse uma sucessão de desencontros. Não era assim que havia imaginado que viveria. Ela tinha sonhos, muitos sonhos, desses que povoam a mente romântica de toda menina. Ela sempre quis um amor. O amor que aquele rei nunca lhe daria. O rei era egoísta.

No universo daquela moça, as pessoas queriam realização e amor. E não podia ser um amor automático, um amor robótico. Tinha que ser um sentimento avassalador. Uma sensação de gula, de pecado.

Mesmo sendo a florista muito independente e acostumada com a solidão, ela queria sentir a vida pulsar, o coração bater. Ela queria a febre de amar.

Na verdade, ela queria poder gritar pra todo mundo que conhecia o rei, que o havia beijado, que o havia amado, mesmo sem a certeza da reciprocidade, sem a certeza da intensidade do que ele sentia por ela. Talvez para ele fosse apenas mais um passa-tempo, mais uma forma de – uma vez ou outra – sair da sua vida estressante e tediosa. Talvez o senhor do castelo apenas gostasse da companhia dela, uma vez ou outra, para quebrar a rotina, mudar os dias tão iguais.

Pensava muito na sua vida, a florista. Nas coisas que fazia, no seu trabalho, nas flores. Pensava também no rei. E lembrava que ele não tinha motivo para se preocupar com ela. Ele já tinha tantas coisas para resolver e realizar! Não se pode esperar nada de ninguém. Principalmente se a pessoa não sabe dar o que nunca teve.

Mas como numa história de amor não existem culpados nem vítimas, ela começou a fazer planos para a sua vida, que mesmo tão diferente da dele, tinha perfume e alegria. Na vida da moça das flores havia sempre lugar para o rei. E ela, mais uma vez, tentava incluí-lo nos seus sonhos mais simples.

Ah, quanto desencontro! O tempo não ajudava a florista. Ela se culpava por não tê-lo encontrado bem antes, quando ele ainda tinha coragem para mudar! O rei estava muito acostumado com a vida no castelo, com a única referência de família que tinha. Ele estava acomodado e tinha medo de ousar. Diferente da florista, que entrava de corpo, alma e coração em todas as coisas que, para ela, eram boas. O mundo do rei era pequeno.

O dia amanheceu e com ele trouxe a vida com as coisas corriqueiras, os novos horizontes e a possibilidade de um novo caminho. A florista acordou e voltou seus olhos para o céu. Estava nublado. Que bom! Ela adorava a chuva e o clima trazido por ela. Eram lágrimas do céu, que lavavam as almas necessitadas de purificação.

Imediatamente a florista lembrou do seu rei, tão querido, tão distante. Existia uma diferença gritante entre os dois mundos. Era a racionalidade exacerbada do rei, sempre focado no trabalho e no sucesso do seu reino, tentando entender a emoção e a poesia que estava sempre presente na vida da moça que vendia flores, alegrava sua vida e lhe mostrava um mundo novo.

O rei abriu os olhos, dentro do seu enorme e luxuoso quarto cheio de ordem e poder. Seu primeiro pensamento foi seu reino. O que poderia fazer para melhorá-lo, para administrá-lo, para expandi-lo. Em seguida, lembrou com um carinho quase paternal, a moça das flores. Imaginou seu sorriso, sua maneira tão diferente de encarar a vida, sua forma contente de sentir o melhor perfume das pessoas, das coisas, de tudo. Mas ele não tinha tempo. Um dia, ele visitaria a florista e aproveitaria para aprender novos poemas, sentir novos perfumes e experimentar outras emoções. Ele gostava de estar com aquela moça. Mas ele definitivamente não tinha tempo!

O rei precisava trabalhar e trabalhar. Eram muitas coisas pra resolver, muitos negócios para fechar, um reino inteiro para gerir. Ele era responsável por muitas vidas. Muitas famílias dependiam do seu melhor desempenho, inclusive, a dele. Eram muitas articulações políticas que incluíam grandes e longas viagens. O rei não tinha tempo para pensar em amor. Sentimentos como esse estava sempre em segundo plano na sua planilha de vida. O rei era um homem racional.

Algumas coisas na vida são óbvias, outras previsíveis. O mesmo acontece com algumas pessoas. A moça das flores sentia-se assim, óbvia. Todas as suas atitudes eram coerentes com seus sentimentos e tudo era sempre muito intenso. Era muito difícil para ela disfarçar seus sentimentos. Seu olhar era óbvio, seus gestos também. Ela era transparente.

O senhor do castelo não era assim. Ele conseguia manter uma postura quase fria diante de qualquer situação, enquanto a florista beirava a infantilidade na demonstração do seu afeto. Mas ela apenas distribuía flores com amor. Que mundo diferente o mundo dos negócios! Torna todas as pessoas modelos tão iguais em suas posturas, parecem todos saídos de uma linha de produção de uma fábrica qualquer. Mesmo estilo, mesmas roupas, mesmo gestos, mesma artificialidade. O mundo dos negócios torna as pessoas superficiais.

A florista gostava de música, de sair pra dançar, gostava dos amigos e de se reunir com eles apenas para dar boas gargalhadas da vida! Quando juntos, seus amigos conseguiam esquecer um pouco o trabalho e pensavam nas pessoas apenas como pessoas. Diferente do rei, que enxergava através de cada pessoa, um novo negócio.

Os dias continuaram passando e, com eles, a tristeza da florista. Na mesma proporção que os dias passavam, o rei trabalhava, fechava novos negócios, administrava seu reino e esquecia que tinha um coração. Esquecia também que tinha o coração da moça das flores, mesmo sem saber. A moça melhorava enquanto o rei adoecia. O rei estava doente.

Às vezes o amor simplesmente morre. Mesmo assim, é um processo doloroso. Mas pelo qual todo mundo passa. Até os que se julgam imortais.

Um dia, a florista foi vender flores em um lugar bem longe dos domínios do rei. Lá ela conheceu muitas pessoas. Mas dentre elas, uma se destacou por se preocupar com sua tristeza e querer ser seu amigo. Era um homem diferente, um poeta. Amigo da natureza. Ele admirava as flores, o mar, as estrelas no céu, as gotas da chuva, as músicas, a vida e a moça das flores. O poeta era sensível.

A moça ficou feliz por conhecer alguém que gostava de muitas coisas como ela. Mas seus mundos também eram tão distantes! Mesmo assim, o poeta tinha tempo para visitá-la e preocupava-se com ela. O poeta queria vê-la feliz, queria vê-la sorrindo. Ele lhe escreveu lindas poesias que a moça guardou diretamente no coração. Ela não estava apaixonada pelo poeta. Mas o poeta estava apaixonado por ela.

A moça então começou a sentir-se melhor. Sua tristeza começou a se dissipar no meio de tantas nuvens, estrelas, ondas e sal. O amanhecer na praia era lindo. E o poeta começou a mostrar-lhe seu mundo, sem medo. A moça estava surpresa.

Entre as flores, no meio de tanto perfume, a moça se pegava pensando no poeta e nas coisas que ele fazia. Eles andavam sem medo pelas ruas, passeavam e conversavam muito sobre a vida. Ela podia sorrir pra ele sem se preocupar com ninguém ou nada que estivesse à sua volta. A moça das flores estava feliz. O poeta era um homem livre.

A vida é assim, uma colcha de retalhos. E os retalhos são os momentos felizes, tristes, os sorrisos, as lágrimas, os perfumes, as flores, a natureza, as estrelas do céu, as gotas da chuva, a oração dita baixinho, a saudade que não passa, enfim, fragmentos da nossa história.

O rei continua trabalhando muito. Sempre ocupado, às vezes pensa na florista e em como ela estará. Mas ele não tem tempo e suas prioridades são tantas, que ela fica sempre pra depois. Mas o rei gosta dela. E ela, não gosta do rei. E o poeta a ama. A moça das flores ama o poeta. A moça das flores é livre. E está feliz. (Cassia Miranda)

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