É, está na hora de arrumar as gavetas. As gavetas que não foram bem fechadas, as que – propositalmente – deixamos entreabertas, as que estão bagunçadas por
dentro, as mal tratadas por fora.
É hora de arrumar. Tirar de dentro delas todas as lembranças indesejáveis, as tristes e também as que gostaríamos que ainda estivessem lá. Não é fácil arrumar as gavetas da alma. Causa sofrimento e dor.
Por que existem pessoas assim? De onde vem esse desconforto de existir?
A maioria dos meus dias é assim. Nada me alegra e eu sinto que preciso gargalhar! Preciso enxergar alguma coisa boa na vida, que me faça continuar respirando. Existe tanta magia na vida e eu não consigo enxergar as mágicas que ela faz pra mim.
Preciso arrumar as gavetas da alma e colocar cada coisa em seu lugar. Encontrar um jeito de sentir vontade de chorar e colocar pra fora todos os fantasmas, as culpas, as dores. Por favor, alguém junte meus pedaços!
Não quero mais ficar aqui. Quero ver o mundo através de outro ângulo. O mais longe que puder. O que vou fazer numa cidade como essa?
Recife está desconectada do mundo. Eu vou, mas não sem antes me despedir. De tudo, de todos (inclusive daqueles que desligam seus telefones), de cada pedacinho do Recife, a cidade que eu amo.
Alguns dizem que a solidão vai comigo. Pode ser! Mas as tristes lembranças vão junto com as boas e isso dá certo equilíbrio nessa bagagem. Eu só não quero estar perto, transitar pelos lugares e pessoas que me trazem essas tristes lembranças. Sinto que preciso respirar. Quem sabe eu não aprenda a andar sob o sol sem achar tão incômodo? Quem sabe, finalmente, eu não encontre o lugar perfeito pra mim? Aquele que tem sol e vento frio?!
Não quero mais estar perto das pessoas que ainda vou perder. Não quero mais sentir saudade. Quero todos na lembrança. As risadas, as discussões inflamadas, os choros contidos, a sensação de liberdade que nunca senti, o mais puro e verdadeiro amor dos meus filhotes peludos, o mais verdadeiro amor do meu filho, e quero levar também o seu silêncio. Esse silêncio que grita e do qual eu nunca vou esquecer.
Nessas gavetas irão saudades que não são descartáveis. Saudades que quero, um dia, entender que não serão eternas. Meu pai, João, minha irmã, são tantas saudades que gostaria de reencontrar.
Vou arrumar as malas. Devagar, pois tenho tempo. Quero aprender a sorrir e a chorar. O tempo desgasta e me fez esquecer tantas coisas. Acho que descobri meu maior inimigo. Ou melhor, eu já sabia, mas só agora consegui admitir.
E, parafraseando meu amigo Rubão, que por sua vez, parafraseou o Alceu, “a solidão é fera, solidão devora”.
Vida, me faça achar graça em você!