sábado, 16 de outubro de 2010

Sábado


São 3h26 da madrugada de sexta-feira que virou sábado. 16 de outubro. Parei de trabalhar agora e vou relaxar lhe enviando uma carta. Ninguém mais escreve cartas. Era tão boa a sensação, a ansiedade, a surpresa e enfim, a alegria da curiosidade latente. Ler o conteúdo. Ler agora ou fazer suspense?
Já vi muitos e muitos sóis nascerem. Os insones são assim. Eles espreitam a noite enquanto o silêncio grita. E nesse vácuo de solitude, pensa-se, pensa-se, e pensa-se. E ouve-se música. Otto, pernambucano, genial. “Naquela Mesa”, de Sérgio Bittercourt. Ele fala de memórias do pai. “Se eu soubesse o quanto dói a vida, e essa dor tão doída não doía assim”.
É meio uma dor que dói na alma da gente. Eu sinto muitas vezes essa dor doída que nada preenche o vazio que ela deixa dentro do peito. Na maioria das vezes nem sabemos o motivo de tanto incômodo. É como se a alma precisasse sair desse corpo que nos prende e quisesse voar. A liberdade rodrigueana é mais importante que o pão. E mesmo assim, ninguém a quer totalmente.
Eu entendo isso. A busca. A busca da idéia, da criação, do trabalho, do barulho do mar, do amor com a sensação do primeiro, das lembranças boas. As cartas de amor são pra isso. Pra se trocar emoções distantes na geografia. Pra se admirar um possível amor que não vai chegar. E chega, de mansinho, disfarçado, gripado, poeta.
Essa é a melhor parte das conversas inacabadas. Das vontades contidas, das emoções guardadas cuidadosamente, pra não machucar o coração. Que é tão frágil, mas tão frágil, que no próximo minuto ele pode parar! Parar de saudade, de ansiedade, de alegrias, de bons ou de maus momentos.
E aí me vejo, no meio da madrugada, escrevendo para uma pessoa linda - pois é assim que me parece – cartas ‘de mim’. E usando sua metáfora, me despetalo pra você, como se estivéssemos a sós, com olhos parados e vidrados no olho do outro, procurando encontrar onde se escondem nossas fraquezas. Nossas forças, já as conhecemos. E elas não nos deixam totalmente entregues ao outro. A fragilidade seduz. A força também. Paradoxo.
Passo do amigo Otto, às músicas de Sade Adu, a nigeriana mais britânica do planeta, que acalma a alma com sua voz aveludada e jazzística. E ela diz: “He told me sweet lies of sweet loves/Heavy with the burden of the truth” (Ele me contou doces mentiras sobre doces amores, com o peso da verdade). O que mais pedir a quem nos conta mentiras sinceras? Como em Like a Tattoo, não passamos de ‘famintos pela vida e sedentos por um rio distante, como o peso da idade’. E a busca se faz presente outra vez!
Imagino o cheiro do jasmim. E começo a viajar nas nossas impossibilidades.
(C.M.)

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